Memórias de uma moça bem-comportada

Memórias de uma moça bem-comportada é uma autobiografia da escritora e filósofa francesa Simone de Beauvoir, o livro é o primeiro de uma trilogia, seguido de A força da idade e A força das coisas



  • "Afirmei em meu caderno, contra Renan, que o grande homem não é um fim em si: só se justifica se contribui para elevar o nível intelectual e moral de toda humanidade"
  • "Preferia a literatura à filosofia, não teria ficado nada satisfeita se me tivessem dito que me tornaria uma espécie de Bergson, não desejava falar com essa voz abstrata, que não me impressionava quando eu a ouvia. O que sonhava escrever era um 'romance de vida interior', queria comunicar minha experiência. Hesitei. Parecia sentir em mim 'uma porção de coisa a dizer'; mas compreendia que escrever é uma arte e que eu não era perita nela."
  • "Hesitei, freada por esse medo do ridículo que paralisara minha infância: mas não queria mais agir como criança. Acrescentei vivamente um pós-escrito: 'Talvez você me ache ridícula, mas eu me desprezaria por não ousar sê-lo nunca'".
  • "[meu pai] Nutria contra os professores rancores mais sérios; pertenciam à seita perigosa que defendera Dreyfus: a dos intelectuais. Embragados em com o seu saber livresco, obstinados em seu orgulho abstrato e em suas vãs pretensões ao universalismo, sacrificavam as realidades concretas — país, raça, casta, família, pátria — às quimeras que estavam matando a França e a civilização: os direitos do homem, o pacifismo, o internacionalismo".
  • "Nos meus brinquedos, nas minhas ruminações, nos meus projetos, nunca me transformei em homem. Toda a minha imaginação era empregada em antecipar meu destino de mulher."
  • "Fiquei surpresa quando, lendo uma notícia de jornal, vim a saber que o aborto era um delito: o que acontecia em meu corpo só dizia respeito a mim. Não houve argumento que me fizesse mudar de opinião"
  • "Uma imagem formou-se em minha cabeça, com uma nitidez tão desoladora que a recordo ainda hoje: uma fileira de quadros cinzentos estendia-se até o horizonte, diminuindo de acordo com as leis da perspectiva, mas todos idênticos e achatados: eram os dias, as semanas, os anos. Eu, desde a infância, adormecera cada noite mais rica que na véspera; elevava-me degrau por degrau, mas, se não encontrasse lá em cima senão uma chapada melancólica sem nenhuma meta a alcançar, valeria a pena?"
  • "Recusa as hierarquias, os valores, as cerimônias que distinguem a elite; minhas críticas, que pensava eu, tendiam apenas a desembaraça-las de vãs sobrevivências, na verdade, implicavam sua liquidação. Só o indivíduo me parecia real, importante; chegaria forçosamente a preferir a sociedade em sua totalidade à minha classe. Afinal, eu é que iniciaria as hostilidades; mas o ignorava, não compreendia porque meu pai e todos aqueles à sua volta me condenavam. Caíra numa armadilha; a burguesia me persuadira de que seus interesses se confundiam com os da humanidade; eu pensava poder alcançar, de acordo com ela verdades válidas para todos, mas logo que me aproximava, ela se erguia contra mim. Sentia-me 'aturdida, dolorosamente desorientada'. Que me mistificara? Por quê? Como? Em todo caso eu era vítima de uma injustiça e pouco a pouco meu rancor se transformou em revolta."
  • "Não acredito mais em Deus", disse sem grande espanto. Era uma evidência: se tivesse acreditado nele, não teria consentido sem remorso em ofendê-lo. Sempre pensava que esse mundo não merecia ser pago à custa da eternidade; mas ele contava, pois eu o amava, e era subitamente Deus que pesava menos na balança: o nome de Deus só devia portanto recobrir uma imagem. Há muito tempo a ideia que eu tinha dele tinha se depurado, sublimado, a tal ponto que ele tinha perdido qualquer semblante, qualquer ligação concreta com a terra e, pouco a pouco, o próprio ser. Sua perfeição excluía sua realidade. Por isso foi que eu me senti tão pouco surpresa ao comprovar sua ausência no meu coração e no céu. Não o negava para me ver livre de um importuno; ao contrário, percebi que não intervinha mais em minha vida e concluí que tinha deixado de existir para mim.
  • "E me era mais fácil pensar um mundo sem criador do que um criador carregado de todas as contradições do muno. Minha incredulidade jamais vacilou"
  • "Desenvolver capacidades que permaneceriam fatalmente limitadas e relativas era um esforço cuja modéstia me desgostava, a mim, a quem bastava olhar, ler, para atingir o absoluto."