Elis Regina: diferenças entre revisões

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: Só fui voltar a encontrar com ela no Festival Berimbau de Ouro, em São Paulo. Eu iria me apresentar e ela fazer o show de encerramento. Eu cruzei com ela no corredor e eu, meio tímido, abaixei a cabeça. Depois que eu passei eu ouvi um barulho de tamanco batendo no chão e ela falou ''Mineiro não tem educação, não?... Quando a gente encontra um pessoa de manhã, damos bom dia, quando encontramos uma pessoa de tarde, damos boa tarde e quando encontramos uma pessoa de noite, damos boa noite''. Eu disse ''É que eu não queria te encher, ser mais um a fazer isso'' e ela retrucou ''Não tem desculpa!''. E no dia que havíamos nos encontrado na casa da Luzia, eu e o [[Wagner Tizo]] havíamos tocado uma música nossa e nesse encontro do corredor ela disse que eu para eu ir na casa dela mostrar essa música para ela. E para minha surpresa, ela começou a cantar a tal música... eu olhei surpreso para ela que, pondo a mão na testa, disse ''Memória, meu caro!''.
: Fui na casa dela e [[Gilberto Gil]] estava lá, ajudando ela a selecionar músicas. Eu cantei um monte de músicas. Foram umas vinte e tantas e quando eu parei ela perguntou se eu não tinha mais nenhuma. Eu só tinha mais uma, a Canção do Sal. Assim que eu cantei ela disse ''É essa!''
:Depois fui me apresentar no programa dela, o [[Fino da Bossa]]. Ela havia gravado a Canção do Sal e queria que eu fosse ao programa cantar com ela, mas o pessoal do programa não queria deixar. Eu não era conhecido, só Elis me conhecia, mas ela arrumou uma briga, disse que se eu não cantasse ela não faria o programa, e eu acabei me apresentando. Foi a primeira e última vez que me apresentei no Fino. Mas eu sempre estava na platéia assistindo ao programa. Num certo dia, Elis terminou o programa e me disse ''O que você vai fazer no Natal?''. Eu respondia que ia para Três Pontas, passar com minha família. Ela disse ''Não, você vai para o Rio de Janeiro, passar comigo e com minha família''. Eu tentei argumentar, disse que não tinha dinheiro, mas ela decretou ''Fica quieto, você vai e acabou''. Isso porque a gente nem se conhecia direito.
: Fui passar o Natal com a Elis e depois da ceia, da troca de presentes ela sentou-se numa cadeira e começou a chorar, dizendo que se sentia muito sozinha em São Paulo, que era muito nova e que não estava feliz. E disso eu entendia, porque eu também não estava bem em São Paulo. Vendo ela chorar eu pensei que para ela estar fazendo aquilo na minha frente, só poderia ter um motivo. Iria nascer uma grande amizade. E foi o que aconteceu.
: Mais do que qualquer coisa, Elis era um mito para mim. Quando a ouvi pela primeira vez cantando minha música, a voz dela entrou dentro de mim, do meu coração, do meu sangue. Ela, inclusive, em um programa de TV, reclama que eu não falei nada sobre a gravação, mas eu nem tinha como falar. Eu até chamei ela para tomar alguma coisa num boteco, mas ela disse que não era pessoa de tomar coisa em boteco e então acabei nem falando para ela se eu tinha gostado ou não. Mas para mim, para meus amigos, para minha família foi uma festa.
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: Todas as músicas foram feitas para Elis, mas o que aconteceu com Saudades do Avião da Panair (Conversando no Bar) e Ponta de Areia foi muito interessante. Eu morava sozinho e dentro do meu apartamento só tinha um colchão e um piano, então era ótimo para ficar tocando violão. Em uma manhã saiu a Saudades..., pensando na Elis, e eu não acreditava que havia feito essa música. Fiquei das 10 horas da manhã até umas 3 da tarde tocando essa música, estava ficando louco. Fui para o piano, sentei e saiu, na mesma hora, Ponta de Areia. Logo avisei Elis que as duas eram dela. Fui para Nova York e o [[Fernando Brant]] ficou de colocar as letras. Gravei e mandei para ela.
: Elis e [[Nana Caymmi]] são as minhas melhores intérpretes, mas Elis tem algo especial, quando ela cantava tinha algo muito além da música, tinha toda nossa amizade. Eu fui uma das poucas pessoas, ou talvez a única, que ela nunca brigou. Quando ela estava perto de mim, sempre me surpreendia. Uma vez fomos jantar e um cara que estava conosco começou a falar mal da cantora [[Simone]], pensando que estava agradando a Elis. Quando ele terminou de falar, a Elis deu um ''baita'' esporro nele, dizendo que a [[Simone]] estava trabalhando e que ele estava falando um monte de bobagens, que era para ele ficar quieto... Nunca pensei que Elis fosse tomar partido de uma outra cantora do jeito que ela fez.
: Um pouco antes dela morrer, eu estava morando em Belo Horizonte e a Elis não conseguia entender o que eu estava fazendo lá. Ela me ligou e disse que a partir daquele momento ela só queria trabalhar com mineiro e que estava pegando um avião para ir me buscar, que eu tinha que ficar com ela em São Paulo. E era para fazermos um disco juntos, mas infelizmente não deu tempo.
: Eu continuo fazendo música para ela e fico imaginando como ela estaria cantando agora... acho que até sei, ela estaria dez vezes melhor, se é que isso é possível. Bem diferente dos outros artistas, Elis nunca foi fechada para coisas novas, então acho que tem muita gente boa que apareceu depois que ela se foi que ela adoraria gravar e iria deixar todo mundo maluco.
: Elis ensinou a muitos como ouvir música , para outros como cantar e como fazer da profissão uma espécie de religião."
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* "A primeira vez que eu vi Elis foi no ano de 1964. Eu estava fazendo um grande sucesso com a música ''Deixa Isso Pra Lá'' e fui fazer a divulgação dessa música no Rio de Janeiro. A noite eu decidi passear e acabei indo ao Beco das Garrafas, um reduto da Bossa Nova. Foi a primeira vez que vi Elis se apresentando, mas ela ainda não era muito conhecida. No mesmo ano, eu fui convidado para participar do programa Almoço com as Estrelas, apresentando por Ayrton e [[Lolita Rodrigues]], na TV Tupi. Aí quem senta do meu lado no programa? [[Elis Regina]]... Começamos a conversar e já daí nasceu uma grande amizade. Ela me pediu um autógrafo e eu pensei que era sacanagem dela, mas não era. Aí resolvi pedir um autógrafo para ela também. No meio do programa, o [[Ayrton Rodrigues]] pediu para eu e Elis nos apresentarmos juntos. Cantamos à capela as músicas Menino da Laranja e Deixa Isso Pra Lá.
: Depois disso, em abril de 1965, participamos juntos no show Dois na Bossa, em São Paulo, com direção de [[Walter Silva]]. Eu nem sabia que ela participaria também. Aquela pot-pourri de sambas foi quase de improviso. Ensaiamos aquilo 40 minutos antes do show do começar e foi o ponto alto do espetáculo. Acabamos sendo contratados pela TV Record para apresentarmos o programa O Fino da Bossa, que durou 3 anos no ar, com absoluto sucesso aqui no Brasil e no exterior também. Por conta do programa, nós viajamos para Portugal e África.
: Tivemos muitos momentos marcantes no programa, mas o que mais me marcou foi uma homenagem ao [[Dorival Caymmi]], com a música Suíte de Pescadores. Foi uma espécie de uma ópera. Durou duas horas a gente cantou e representou a música do Dorival. Além de mim e Elis, estavam presentes [[Elza Soares]], [[Zimbo Trio]], Tamba Trio, [[Jorge Ben Jor]], [[Wilson Simonal]], [[Maria Odete]] e Cláudia, cada um tinha uma participação. No final, entrava o [[Dorival Caymmi]]. Foi lindo. A TV Record reprisou o programa quatro vezes.
: O Fino da Bossa era um sucesso. O programa começava às 20h30, mas às 14h a fila já dobrava o quarteirão e para não deixar esse público na mão, eu e Elis fazíamos uma segunda sessão, que não ia ao ar, era um show especial para esse público. Mas resolvemos dar um tempo porque cada um tinha que dar prosseguimento em suas carreiras. Mas a separação não foi difícil, porque não éramos uma dupla, éramos os apresentadores do programa. Nossa amizade era muito sólida para haver qualquer tipo de briga. Nós nunca brigamos. Falam do temperamento difícil dela, mas era uma defesa. Muita gente se aproximava dela para tirar proveito e ela, esperta, percebia logo de cara.
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* "Eu comecei a trabalhar com Elis em 1980, era início da temporada do show Saudades de Brasil, que estreou no Canecão, no Rio de Janeiro. Então ela me convidou para fazer a assessoria de imprensa e ser secretária particular dela. Como todo mundo era de São Paulo - os músicos, bailarinos e atores - todo mundo teve que ''mudar'' para o Rio de janeiro, foi uma caravana de paulistas para o Rio de Janeiro. O César foi com o jipe dele e a Elis dirigindo um carro conversível que ela tinha. E foi aquela farra pela estrada Rio-Santos, paramos todos para almoçar em Parati, foi muito divertido.
: No Rio, ficamos em apartamentos alugados pelo Canecão, em Copacabana, e nos finais de semana, digo, segunda e terça-feira para nós, íamos todos para o apartamento da Elis em Ipanema e ficávamos vendo filmes, ela fazia jantares...
: Ela era a mãezona de todo mundo, queria todo mundo debaixo da asa dela. Essa época ela estava ficando muito em casa, pois o show consumia muito dela, eram duas horas de espetáculo com dança e tudo mais, ela saia acabada do show. As vezes, todo mundo ia dançar na boate Noites Cariocas ou comer na churrascaria Plataforma, aí ela gostava de juntar as mesas com o [[Tom Jobim]] e com a [[Miúcha]] e ficava aquela mesa enorme, de 60 pessoas, todo mundo rindo e conversando.
:Ela também tinha um mal humor, ela dizia que ''se infernava'', mas isso acontecia porque a Elis era um pessoa muito justa, tinha suas convicções e numa discussão não tinha para ninguém, se ela entrava ela ia até o fim de detonava a pessoa. Por vezes ela era muito insistente com as idéias dela e chegava até ser chata, acho que era o lado pisciano dela, essa jeito bem eloqüente de ser. Mas durava dois minutos, ela não guardava rancor.
: Elis também era muito amorosa com os seus fãs, o camarim dela era praticamente invadido, as filas eram enormes e ela sempre queria atender os amigos e pacientemente atendia aos fãs também, conversava com eles e ficava meio constrangida, pois os fãs abraçavam, beijavam e ela não sabia nem quem era a pessoa e ficava muito tímida com isso, ficava estrábica quando alguém fazia elogios. O Saudades do Brasil foi um trabalho de Hércules para Elis, pois era muito cansativo e ela já não era nenhum menina, já tinha três filhos.
: Durante o show começaram os conflitos no casamento com o César, mas Elis nunca deixou isso transparecer. Ela podia estar arrasada no camarim, mas quando começava o show tudo mudava, ela tirava forças não sei de onde. Uma vez ela disse que o palco era como um parto, depois que você coloca a cabeça e começa a sair, tem que ir até o fim, alguém te empurra e você vai.
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* "Em 1974, Elis estava montando uma nova banda para acompanhá-la e o [[Luiz Chaves]], baixista do [[Zimbo Trio]], me indicou. Comecei acompanhando ela numa temporada de shows pela região sul e eu acabei sendo aprovado, acabei me encaixando no que Elis e o [[César Camargo Mariano]] queriam. Acabei participando do disco de 1974, um dos meus favoritos, que tem músicas e arranjos lindíssimos.
: No mesmo ano, participei do show do álbum Elis & Tom. Depois fiz Falso Brilhante, Transversal do Tempo, Saudades do Brasil e Trem Azul, o último show dela que eu acabei assumindo a direção musical, pois Elis havia se separado do César. Eu só não participei do Essa Mulher, de 1979. A Elis e o César haviam formado uma banda para tocar no Festival de Montreaux e a idéia era prosseguir com essa banda, porém ela acabou se desfazendo e uma banda nova teve que ser montada às pressas e eu acabei ficando de fora, pois eu estava tocando com o [[Ivan Lins]]. Foram oito anos trabalhando com Elis.
: Musicalmente para mim, atuar do lado de Elis foi um mestrado. Todo músico da MPB gostaria de ter tocado com ela. Ela era completamente moderna e arrojada, ela incentivava a criatividade dos músicos, dava liberdade total para a gente criar. A cada show o grupo se superava no palco, nunca era igual ao ensaio. Um desafiava o outro musicalmente e Elis dava essa liberdade porque ela não tinha medo nenhum, ela segurava a barra e gostava de ver a banda ''quebrando tudo'' no palco. Quando dava tempo, nós ensaiávamos muito, como no caso do Falso Brilhante, que teve até aulas de expressão corporal. Elis investia, gastava tudo que tinha, pois sempre acreditava que ia dar certo.
: Também tive oportunidade de conviver muito com Elis pessoa, como amiga. Ela sempre queria que eu ficasse hospedado com ela e com o César quando fazíamos temporadas em outros estados. Tinha muita amizade, eu ia na casa dela, eles vinham para a minha. A gente cozinhava, fazia churrascos, cervejas, porres, risos, choros... Era muito legal. Tenho até hoje fitas cassetes que ela gravava e dava para eu ouvir, coisas importantes de [[Quincy Jones]], por exemplo, que naquela época era muito difícil de alguém ter. Ela me apresentou toda essa gente, pois quando eu fui tocar com Elis eu era um ''baileiro'', tocava na noite.