Fernando Pessoa: diferenças entre revisões

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Introdução da secção Livro do Desassossego
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* "Sem a loucura que é o homem mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria?"
:- ''Fonte: Poesia "D. Sebastião, Rei de Portugal", Versos 8, 9 e 10.''
 
== Livro do Desassossego ==
 
''Introdução:'' Do [[w:Heterónimo|heterónimo]]: Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros em Lisboa, na Vasques & Cia., na Rua dos Retroseiros -- fazendas a metro. Foi criado por umas tias velhas na província. Mora num andarzinho na Rua dos Douradores, de onde nunca saiu a não ser para o escritório, onde o patrão Vasques representa, para ele, a própria Vida, pela sua irracionalidade. Não tem vida própria, toda ela é voltada para o interior: ''"Duas coisas só me deu o Destino: uns livros de contabilidade e o dom de sonhar."'' Misógino e sociófobo, critica tudo com acidez destrutiva, começando por si próprio e acabando na Igreja e no Estado, com opiniões que vão desde as de um adolescente revoltado às de um adulto maduro.
 
 
* Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde lea me levará, porque não sei nada.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 40)
 
* O ter tocado os pés de Cristo não é desculpa para defeitos de pontuação.
**"Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p 229)
 
* A força sem a destreza é uma simples massa.
**"Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p 229)
 
* Há os que Deus mesmo explora, e são profetas e santos na vacuidade do mundo.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 45)
 
* Achego-me à minha secretária como a um baluarte contra a vida.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 45)
 
* Somos dois abismos -- um poço fitando o céu.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 48)
 
* Um tédio que inclui a antecipação só de mais tédio; a pena, já, de amanhã ter pena de ter tido pena hoje.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 50)
 
* O comboio abranda, é o Cais do Sodré. Cheguei a Lisboa, mas não a uma conclusão.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 50)
 
* Tornamo-nos esfinges, ainda que falsas, até chegarmos ao ponto de não sabermos quem somos.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 52)
 
* A fraternidade tem subtilezas.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 53)
 
* Creio que dizer uma coisa é conservar-lhe a virtude e tirar-lhe o terror.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 55)
 
* Tenho neste momento tantos pensamentos fundamentais, tantas coisas verdadeiramente metafísicas para dizer, que me canso de repente, e decido não escrever mais, não pensar mais, mas deixar que a febre de dizer me dê sono, e eu faça festas, como a um gato, a tudo quanto poderia ter dito.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 56)
 
* Sou todas essa coisas, embora o não queira, no fundo confuso da minha sensibilidade fatal.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 58)
 
* Durmo e desdurmo. / Do outro lado de mim, lá para trás de onde jazo, o silêncio da casa toca no infinito. Oiço cair o tempo, gota a gota, e nenhuma gota que cai se ouve cair.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 59)
 
* O relógio da casa, lugar certo lá ao fundo das coisas, soa a meia hora seca e nula. Tudo é tanto, tudo é tão fundo, tudo é tão negro e frio!
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 60)
 
* Paso tempos, passo silêncios, mudos sem forma passam por mim.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 60)
 
* Dormia tudo como se o universo fosse um erro.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 60)
 
* Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 62)
 
* Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 62)
 
* Coisa arrojada a um canto, trapo caído na estrada, meu ser ignóbil ante a vida finge-se.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 64)
 
* Foi só um momento, e vi-me. Depois já não sei sequer dizer o que fui.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 66)
 
* Assim como lavamos o corpo devíamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 68)
 
* Há um cansaço da inteligência abstracta, e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo, nem inquieta como o cansaço do conhecimento e da emoção. É um peso da consciência do mundo, um não poder respirar da alma.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 69)
 
* E então vem-me o desejo transbordante, absurdo, de uma espécie de satanismo que precedeu Satã, de que um dia [...] se encontre uma fuga para fora de Deus e o mais profundo de nós deixe, não sei como, de fazer parte do ser ou do não ser.
** "Os Grandes Trechos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 70
 
* Estagnar ao sol, douradamente, como um lago obscuro rodeado de flores.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 70)
 
* Porque eu sou do tamanho do que vejo / e não do tamanho da minha altura.
** Atribuído ao heterónimo Caeiro en "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 71)
 
* Para compreender, destruí-me.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 73)
 
* A solidão desola-me; a companhia oprime-me.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 73)
 
* Sim, falar com gente dá-me vontade de dormir.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 73)
 
* A ideia de uma obrigação social qualquer [...] só essa ideia me estorva os pensamentos de um dia, e às vezes é desde a mesma véspera que me preocupo, e durmo mal, e o caso real, quando se dá, é absolutamente insignificante, não justifica nada; e o caso repete-se e eu não aprendo a aprender.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 73)
 
* A beleza de um corpo nu só o sentem as raças vestidas.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 75)
 
* O que é doença é desejar com igual intensidade o que é preciso e o que é desejável, e sofrer por não ser perfeito como se se sofresse por não ter pão. O mal romântico é este: é querer a lua como se houvesse maneira de a obter.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 77)
 
* Levo comigo a consciência da derrota como um pendão de vitória.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 79)
 
* É nobre ser tímido, ilustre não saber agir, grande não ter jeito para viver.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 86)
 
* Benditos os que não confiam a vida a ninguém.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 86)
 
* Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 88)
 
* Releio? Menti! Não ouso reler. Não posso reler. De que me serve reler?
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 88)
 
* A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome que lhe não compete, e depois sonhar sobre o resultado. E realmente o nome falso e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objecto torna-se realmente outro, porque o tornámos outro. Manufacturamos realidades.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 89)
 
* A consciência da insonsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 91)
 
* Uma espécie de anteneurose do que serei quando já não for gela-me o corpo e alma. Uma como que lembrança da minha morte futura arrepia-me dentro.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 91)
 
* Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de inconguência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 93)
 
* Respira-se melhor quando se é rico.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 95)
 
* Nunca vou para onde há risco. tenho medo a tédio dos perigos.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 96)
 
* Há sensações que são sonos, que ocupam como uma névoa toda a extensão do espírito, que não deixam pensar, que não deixam agir, que não deixam claramente ser.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 98)
 
* A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 100)
 
* Entre mim e a vida há um vidro ténue. por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não lhe posso tocar.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 100)
 
* Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 101)
 
* A minha vida é como se me batessem com ela.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 101)
 
* Se conhecêssemos a verdade, vê-la-íamos; tudo o mais é sistema e arrabaldes.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 106)
 
* Trazem-me a fé como um embrulho fechado numa salva alheia. Querem que o aceite para que não o abra.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 106)
 
* A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de acção. Em melhores e mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de acção.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 110)
 
* Nunca pretendi ser senão um sonhador.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 110)
 
* Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 111)
 
* Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 118)
 
* O império supremo é o do Imperador que abdica de toda a vida normal, dos outros homens, em quem o cuidado da supremacia não pesa como um fardo de jóias.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 121)
 
* Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 122)
 
* Agir é repousar.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 122)
 
* Todos os problemas são insolúveis. A essência de haver um problema é não haver solução. Procurar um facto significa não haver um facto. Pensar é não saber existir.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 123)
 
* A sua cara lívida está de um verde falso e desnorteado. Noto-o, entre o ar difícil do peito, com a fraternidade de saber que também estarei assim.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 124)
 
* Nunca amamos niguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso -- em suma, é a nós mesmos -- que amamos.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 125)
 
* Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida.
** "Autobiografia sem Factos". (Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 128)
 
* Contentar-se com o que lhe dão é próprio dos escravos. Pedir masi é próprio das crianças. Conquistar mais é próprio dos loucos [porque toda a conquista é [X]]
** Autobiografia sem Factos. Ed. Richard Zenith. 2006. p. 133.
** Nota: [X]: texto em falta no manuscrito.
 
* Ser compreendido é prostituir-se.
** Autobiografia sem Factos. Ed. Richard Zenith. 2006. p. 136.
 
* Busco-me e não me encontro. Pertenço a horas crisântemos, nítidas em alongamentos de jarros. Deus fez da minha alma uma coisa decorativa.
** Autobiografia sem Factos. Ed. Richard Zenith. 2006. p. 140.
 
* "Qualquer estrada", disse Carlyle, "até esta estrada de Entepfuhl, te leva até ao fim do mundo". Mas a estrada de Entepfuhl, se for seguida toda, e até ao fim, volta a Entepfuhl; de modo que o Entepfuhl, onde já estávamo, é aquele mesmo fim do mundo que íamos buscar.
** Autobiografia sem Factos. Ed. Richard Zenith. 2006. p. 142.
 
* Há muito tempo que não sou eu.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 143
 
* Dentro da capoeira de onde irá a matar, o galo canta hinos à liberdade porque lhe deram dois poleiros.
** Autobiografia sem Factos. Ed. Richard Zenith. 2006. p. 144.
 
* O que há de mais reles nos sonhos é que todos os têm.
** Autobiografia sem Factos. Ed. Richard Zenith. 2006. p. 145.
 
* O fim é baixo, comotodos os fins quantitativos, pessoais ou não, e é atingível e verificável.
** Autobiografia sem Factos. Ed. Richard Zenith. 2006. p. 149.
 
* O homem perfeito do pagão era a perfeição do homem que há; o homem perfeito do cristão a perfeição do homem que não há; o homem perfeito do budista a perfeição de não haver homem.
** Autobiografia sem Factos. Ed. Richard Zenith. 2006. p. 150.
 
* A natureza é a diferença entre a alma e Deus.
** Autobiografia sem Factos. Ed. Richard Zenith. 2006. p. 150.
 
* Não há critério seguro para distinguir o homem dos animais.
** Autobiografia sem Factos. Ed. Richard Zenith. 2006. p. 150.
 
* A ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 151
 
* Quem sou eu para mim? Só uma sensação minha.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 156
 
* Hei-de por força dizer o que me parece, visto que sou eu.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 162
 
* A experiência directa é o subterfúgio, ou o esconderijo, daqueles que são desprovidos de imaginação.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 163
 
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 163
 
* Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 163
 
* Nunca me pesou o que de trágico se passasse na China. É decoração longínqua, ainda que a sangue e peste.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 164
 
* A ladeira leva ao moinho, mas o esforço não leva a nada.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 171
 
* Duas coisas só me deu o Destino: uns livros de contabilidade e o dom de sonhar.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 171
 
* Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade e a hiperexcitação.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 173
 
* Que é a arte senão a negação da vida?
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 174
 
* O homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 181
 
* Pensar é destruir. O próprio processo do pensamento o indica para o mesmo pensamento, porque pensar é decompor.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 181
 
* Penso as vezes, com um deleite triste, que se um dia, num futuro a que eu já não pertença, estas frases, que escrevo, durarem com louvor, eu terei enfim a gente que me "compreenda", os meus, a família verdadeiro para nela nascer e ser amado. [...] Serei compreendido só em efígie, quando a afeição já não compense a quem morreu a só desafeição que houve, quando vivo.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 182
 
* O entusiasmo é uma grosseria.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 200
 
* Meu Deus, meu Deus, a quem assisto? Quantos sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 201
 
* Ser major reformado parece-me uma coisa ideal. É pena não se poder ter sido eternamente apenas major reformado.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 218
 
* A minha curiosidade irmã das cotovias
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 219
 
* Se um homem escreve bem só quando está bêbado dir-lhe-ei: embebede-se- E se ele me disser que o seu fígado sofre com isso, respondo: o que é o seu fígado? É uma coisa morta que vive enquanto você vive, e os poemas que escrever vivem sem enquanto.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 229
 
* Minha Pátria é a língua portuguesa.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 230
 
* A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 231
 
* A arte mente porque é social
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 232
 
* O tédio é a falta de uma mitologia. A quem não tem crenças, até a dúvida é impossível, até o cepticismo não tem força para desconfiar.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p.
 
* O olfacto é uma vista estranha. Evoca paisagens sentimentais por um desenhar súbito do subconsciente.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 238
 
* Saber iludir-se bem é a primeira qualidade do estadista.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 241
 
* É certo que, ao ouvir contar a qualquer destes indivíduos as suas maratonas sexuais, uma vaga suspeita nos invade, pela altura do sétimo desfloramento.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 243
 
* A liberdade é a possibilidade do isolamento.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 246
 
* Se te é impossível viver só, nasceste escravo.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 246
 
* E seja o nosso desprezo para os que trabalham e lutam e o nosso ódio para os que esperam e confiam.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 248
 
* Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugná-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é o desumano, porque o humano é imperfeito.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 249
 
* Se eu tivesse escrito o Rei Lear, levaria com remorsos toda a minha vida de depois. Porque essa obra é tão grande, que enormes avultam os seus defeitos, os seus monstruosos defeitos, as coisas até mínimas que estão entre certas cenas e a perfeição possível delas. Não é o sol com manchas; é uma estátua grega partida.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 250
 
* Porque dar valor ao próprio sofrimento põe-lhe o ouro de um sol do orgulho. Sofrer muito pode dar a ilusão de ser o Eleito da Dor.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 253
 
* Tudo é absurdo.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 255
 
* O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 258
 
* Que seria do mundo se fôssemos humanos?
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 259
 
* Manda quem não sente. Vence quem pensa só o que precisa para vencer.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 260
 
* Navegar é preciso, viver não é preciso.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, pps. 133, 262
** Nota: Frequentemente atribuído a Pessoa, mas, na realidade, com origem em Plutarco ("Vidas"), na boca de Pompeu, exigindo que os soldados, com medo de morrer no mar, embarcassem.
 
* Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 265
 
* Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes.[...] Por isto, contudo, amo-os a todos. Meus queridos vegetais!
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 266
 
* Por enquanto, visto que vivemos em sociedade, o único dver dos superiores é reduzirem ao mínimo a sua participação na vida da tribo. Não ler jornais, ou lê-los só para saber o que de pouco importante ou curioso se passa. / [...] O supremo estado honroso para um homem superior é não saber quem é o chefe de Estado do seu país, ou se vive sob monarquia ou sob república. / Toda a sua atitude deve ser colocar-se a alma de modo que a passagem das coisas, dos acontecimentos não o incomode. Se o não fizer terá que se interessar pelos outros, para cuidar de si próprio.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 267
 
* Perder tempo comporta uma estética
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 267
 
* Nunca fui mais que um boémio isolado, o que é um absurdo; ou um boémio místico, o que é uma coisa impossível.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 271
** Nota: possível jogo em torno de Tertuliano: "credo quia absurdum" (acredito porque é absurdo), "credo quia impossibilis est" (acredito porque é impossível).
 
* Foi num mar interior que o rio da minha vida findou.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 271
 
* Todo o gesto é um acto revolucionário.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 274
 
* Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 276
 
* Porque é bela a arte? Porque é inútil. Porque é feia a vida? Porque é toda fins e propósitos e intenções.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 279
 
* E a suprema glória disto tudo, meu amor, é pensar que talvez isto não seja verdade, nem eu o creia verdadeiro. // E quando a mentira comece a dar-nos prazer, falemos a verdade para lhe mentirmos.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 280
 
* Doem-me a cabeça e o universo.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 280
 
* Eu, porém, não tenho nobreza estilística. Dói-me a cabeça porque me dói a cabeça. Dói-me o universo porque me dói a cabeça.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 280
 
* Como nunca podemos conhecer todos os elementos de uma questão, nunca a podemos resolver.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 282
 
* Não acredito na paisagem.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 286
 
* Digo-o porque não acredito.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 286
 
* Quando escrevo, visito-me solenemente.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 287
 
* A vida é um novelo que alguém emaranhou.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 287
 
* Eram dois e belos e desejavam ser outra coisa; o amor tardava-lhes no tédio do futuro, e a saudade do que haveria de ser vinha já sendo filha do amor que não tinham tido.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 288
 
* Só a esterilidade é nobre e digna. Só o matar o que nunca foi é alto e perverso e absurdo.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 289
 
* Dispenso-a de comparecer na minha ideia de si.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 290
 
* Isso não é o meu amor; é apenas a sua vida.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 290
 
* E assim como sonho, raciocino se quiser, porque isso é apenas uma outra espécia de sonho.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 320
 
* Não há felicidade senão com conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixá-la atrás. Saber é matar, na felicidade como em tudo. Não saber, porém, é não existir.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 328
 
* Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 353
 
* Viajar? Para viajar basta existir. [...] Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e género das minhas sensações? // A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 360
 
* Gostava de estar no campo para poder gostar de estar na cidade.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 367
 
* O homem não deve poder ver a sua própria cara. Isso é o que há de mais terrível. A Natureza deu-lhe o dom de não a poder ver, assim como a de não poder fitar os seus próprios olhos.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 371
 
* Em qualquer espírito, que não seja disforme, existe a crença em Deus. Em qualquer espírito, que não seja disforme, não existe crença em um Deus definido.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 375
 
* Sou um homem para quem o mundo exterior é uma realidade interior.
** "Autobiografia sem Factos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 376
 
* O humanitarismo é uma grosseria.
** "Os Grandes Trechos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p.
 
* A propriedade não é roubo: não é nada.
** "Os Grandes Trechos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p.
 
* Ter opiniões definidas e certas, instintos, paixões e carácter fixo e conhecido -- tudo isto monta ao horror de tornar a nossa alma num facto, de a materializar e tornar exterior.
** "Os Grandes Trechos". Ed. Richard Zenith, Lisboa, 2006, p. 413
 
 
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